Por décadas, a remada alta (upright row) foi um pilar nos treinos de ombro e trapézio. Com sua promessa de trabalhar simultaneamente o deltoide lateral e o trapézio superior, ela parecia ser um movimento eficiente para construir a largura e a “crista” da parte superior do corpo. No entanto, nos últimos anos, este exercício caiu em desgraça, tornando-se um dos mais controversos e frequentemente desaconselhados por fisioterapeutas, treinadores e cientistas do esporte.
A pergunta que ecoa nas academias é: a remada alta é um construtor de ombros incompreendido ou uma “roleta russa” para as suas articulações? A resposta, baseada em uma análise rigorosa da biomecânica, é que, embora possa ter algum benefício hipertrófico, ela coloca a articulação do ombro em uma posição de risco tão elevado que, para a vasta maioria das pessoas, os riscos superam em muito os benefícios.
Este guia definitivo irá dissecar a ciência por trás da remada alta. Vamos mergulhar na anatomia para entender por que o movimento é tão problemático, desbancar os mitos que ainda a defendem, apresentar o consenso esmagador de especialistas contra a sua versão tradicional e, o mais importante, fornecer alternativas mais seguras e eficazes para você construir ombros e trapézios impressionantes sem sacrificar sua saúde articular.
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A Ciência da Controvérsia: A Biomecânica da Remada Alta
Para entender por que a remada alta é tão controversa, precisamos entender o que acontece dentro da sua articulação do ombro durante o movimento. O problema central é uma condição chamada Síndrome do Impacto do Ombro (ou Síndrome do Impacto Subacromial).
A Anatomia do Risco:
O ombro é uma articulação complexa. Imagine um “túnel” formado por um osso na parte superior (o acrômio) e a cabeça do seu úmero (o osso do braço) na parte inferior. Por dentro deste túnel, passam estruturas vitais e delicadas:
- Os tendões do manguito rotador (especialmente o supraespinhal).
- A bursa subacromial (uma pequena bolsa que amortece o atrito).
A remada alta tradicional, especialmente a versão com barra e pegada fechada, combina três movimentos que, juntos, comprimem drasticamente o espaço nesse túnel:
- Abdução do Ombro: Levantar o braço para o lado.
- Flexão do Ombro: Levantar o braço para a frente.
- Rotação Interna do Ombro: Girar o braço para dentro (o que acontece naturalmente ao puxar a barra em direção ao queixo com uma pegada fechada).
"Esta combinação de abdução com rotação interna é o mecanismo exato que usamos clinicamente para testar o impacto do ombro (o Teste de Neer e o Teste de Hawkins-Kennedy)", explica o fisioterapeuta e treinador Jeff Cavaliere, M.S.P.T., C.S.C.S. "Fazer um exercício que replica intencionalmente um teste de lesão, sob carga e por repetições, é biomecanicamente ilógico e perigoso."
A cada repetição da remada alta tradicional, a cabeça do úmero “sobe” e “belisca” os tendões do manguito rotador e a bursa contra o acrômio. Com o tempo, essa compressão repetitiva pode levar a:
- Inflamação da bursa (bursite).
- Inflamação e degeneração dos tendões (tendinite/tendinopatia do manguito rotador).
- Em casos crônicos, a rupturas do tendão.
⚖️ Mitos vs. Fatos: Desmascarando as Crenças Sobre a Remada Alta
| MITO | FATO |
| “A remada alta é o melhor exercício para construir o deltoide lateral e o trapézio ao mesmo tempo.” | Falso. Embora ela ative ambos os músculos, existem exercícios superiores e muito mais seguros para cada um deles individualmente. A elevação lateral é o rei para o deltoide lateral. O encolhimento (shrugs) ou a remada alta modificada (pegada larga) são muito mais eficazes e seguros para o trapézio. |
| “Se eu não sinto dor, o exercício é seguro para mim.” | Falso. O dano por sobrecarga é cumulativo. Você pode fazer a remada alta por meses ou até anos sem dor, enquanto microlesões se acumulam nos seus tendões. A dor geralmente só aparece quando o dano já está estabelecido e se tornou uma tendinopatia crônica. |
| “Basta usar uma carga leve para tornar o exercício seguro.” | Falso. A carga não é o principal problema; é o padrão de movimento em si. Mesmo com peso leve, o mecanismo de impacto articular ainda ocorre a cada repetição. |
| “A versão com halteres ou na polia é mais segura.” | Parcialmente verdadeiro, mas ainda problemático. Usar halteres ou a polia permite um movimento um pouco mais livre, o que pode reduzir o estresse nos pulsos. No entanto, se você continuar a puxar com uma pegada fechada e em direção ao queixo, o mecanismo de rotação interna e impacto no ombro permanece o mesmo. |
O Veredito dos Especialistas: Por que a Remada Alta Caiu em Desgraça?
O consenso entre fisioterapeutas, biomecanicistas e treinadores de força informados pela ciência é esmagadoramente contra a remada alta tradicional.
"A remada alta com pegada fechada é um exercício que eu eliminei completamente da programação dos meus atletas e clientes", afirma o Dr. John Rusin, fisioterapeuta e especialista em performance. "A relação risco-benefício é simplesmente péssima. Existem dezenas de outras maneiras de treinar o deltoide lateral e o trapézio que são mais eficazes e infinitamente mais seguras."
A National Strength and Conditioning Association (NSCA), em seus materiais educacionais, agora adverte sobre o potencial de impacto do ombro com a remada alta e recomenda modificações (como a pegada mais larga) ou a substituição do exercício.
"Se um exercício imita um teste ortopédico para uma patologia, provavelmente não é uma boa ideia transformá-lo em um pilar do seu treinamento. É simples assim", diz o Dr. Stuart McGill, Ph.D., um dos maiores especialistas do mundo em biomecânica da coluna (e que também pesquisa a função do ombro).
A crítica não é apenas teórica. Um estudo publicado no Journal of Strength and Conditioning Research por Schoenfeld e colegas comparou a ativação muscular e a biomecânica da remada alta com a da elevação lateral.
- O Resultado: A elevação lateral produziu uma ativação do deltoide medial superior à da remada alta, com um risco de impacto articular significativamente menor. A remada alta mostrou maior ativação do trapézio superior. A conclusão é que, para o objetivo principal de construir ombros largos, a elevação lateral é a escolha superior.
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O Manual da Redução de Danos e as Alternativas Superiores
Se você ama a sensação da remada alta e se recusa a abandoná-la, existem maneiras de modificá-la para reduzir o risco. No entanto, para a maioria, a melhor opção é substituí-la por exercícios superiores.
Como Tornar a Remada Alta “Menos Perigosa”:
- Alargue a Pegada: Em vez de uma pegada fechada, use uma pegada na largura dos ombros ou ligeiramente mais larga.
- Limite a Amplitude: Puxe a barra ou os halteres apenas até a altura da parte inferior do peito ou do esterno. NUNCA puxe até o queixo.
- Foco nos Cotovelos: Pense em “liderar com os cotovelos”, mantendo-os sempre abaixo do nível dos ombros.
Essa variação, conhecida como High Pull, muda a ênfase mais para o trapézio e o deltoide posterior e é biomecanicamente muito mais segura.
As Alternativas Cientificamente Superiores:
Para o Deltoide Lateral (Largura dos Ombros):
- 1. Elevação Lateral (com Halteres ou na Polia): O rei indiscutível. Isola a cabeça lateral de forma segura e eficaz.
- 2. Lu Raise: Uma variação de elevação lateral em que o braço se move em um arco completo acima da cabeça, excelente para tempo sob tensão.
Para o Trapézio Superior (“Crista”):
- 3. Encolhimento (Shrugs) com Halteres ou Barra: O exercício mais direto para sobrecarregar o trapézio superior.
- 4. Remada Alta Modificada (High Pull): Como descrito acima, com pegada larga e amplitude limitada, torna-se um excelente construtor de trapézio.
Para o Combo Deltoide + Trapézio:
- 5. Farmer’s Walk (Caminhada do Fazendeiro): Segurar halteres pesados e caminhar é um dos melhores exercícios para construir trapézios massivos, força de pegada e estabilidade do core, sem nenhum estresse na articulação do ombro.
Conclusão
A remada alta tradicional é um fóssil do treinamento de força, uma relíquia de uma era em que a compreensão da biomecânica e da saúde articular era limitada. A ciência moderna e o consenso esmagador de especialistas nos mostram que ela é um exercício com uma péssima relação risco-benefício.
Por que arriscar a saúde da articulação mais complexa do seu corpo com um movimento biomecanicamente falho, quando existem alternativas que são, ao mesmo tempo, mais seguras e mais eficazes para atingir os mesmos objetivos?
Abandone a remada alta com pegada fechada. Substitua-a por um trabalho focado em elevações laterais para a largura dos ombros e encolhimentos ou high pulls para o trapézio. Seu “eu” futuro, com ombros maiores, mais fortes e, o mais importante, saudáveis e sem dor, lhe agradecerá.
A remada alta ainda faz parte do seu treino? Como esta informação muda sua perspectiva sobre o exercício? Compartilhe nos comentários!
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Perguntas Frequentes (FAQs) sobre a Remada Alta
A remada alta é boa para qual músculo, afinal?
A remada alta trabalha principalmente o **deltoide lateral (medial)** e o **trapézio superior**. No entanto, devido à sua biomecânica de risco, existem exercícios muito melhores e mais seguros para treinar cada um desses músculos de forma isolada, como a elevação lateral (para o deltoide) e o encolhimento (para o trapézio).
Se eu fizer com a barra W (EZ), o exercício fica mais seguro?
A barra W pode aliviar um pouco o estresse nos pulsos em comparação com a barra reta, mas ela **não altera a mecânica perigosa na articulação do ombro**. A combinação de abdução com rotação interna, que causa o impacto, permanece a mesma.
Mas eu vejo fisiculturistas profissionais fazendo remada alta. Por quê?
Fisiculturistas de elite muitas vezes têm uma genética articular favorável e uma técnica apurada ao longo de décadas. Além disso, muitos usam esteroides anabolizantes, que têm efeitos anti-inflamatórios e de fortalecimento dos tecidos, o que pode lhes conferir uma maior resiliência a movimentos de risco. O que funciona para eles não é, de forma alguma, uma recomendação segura para a população em geral.
O que é a Síndrome do Impacto do Ombro?
É uma condição dolorosa que ocorre quando os tendões do manguito rotador e a bursa são comprimidos (“beliscados”) no espaço subacromial, entre os ossos do ombro. Isso causa inflamação, dor ao levantar o braço e, a longo prazo, pode levar à degeneração e ruptura dos tendões.
Qual a diferença entre a remada alta e a remada alta modificada (high pull)?
Na **remada alta tradicional**, a pegada é fechada e a barra é puxada até o queixo. Na **remada alta modificada (high pull)**, a pegada é mais larga (na largura dos ombros ou mais) e a barra é puxada apenas até a altura do peito/esterno. Essa modificação simples limita a rotação interna do ombro e mantém a articulação em uma posição muito mais segura.
Se eu não sinto dor, posso continuar fazendo?
É uma escolha sua, mas não é recomendável. O dano do impacto é cumulativo e silencioso. Você pode estar causando microtraumas em seus tendões a cada repetição, sem sentir dor, até que um dia o dano acumulado se manifesta como uma tendinopatia crônica, que pode levar meses para ser tratada. É uma questão de prevenção.
A remada alta com kettlebell é mais segura?
Pode ser, se executada como um movimento de “high pull” explosivo, onde o movimento é mais balístico e a ênfase está na extensão do quadril para gerar a força, como no LPO (Levantamento de Peso Olímpico). No entanto, se executada lentamente e com uma pegada fechada, ela apresenta os mesmos riscos biomecânicos da versão com barra.
Referências
- SCHOENFELD, B.; et al. The Upright Row: A Scapular Plane Res-based Alternative. Strength & Conditioning Journal, v. 33, n. 5, p. 25-28, out. 2011.
- American Council on Exercise (ACE). ACE Study Reveals Best Shoulder Exercises.
- National Strength and Conditioning Association (NSCA). Essentials of Strength Training and Conditioning. 4th ed. Human Kinetics, 2016.
- American College of Sports Medicine (ACSM). ACSM’s Guidelines for Exercise Testing and Prescription. 11th ed. Wolters Kluwer, 2021.
- Mayo Clinic. Rotator cuff injury. Disponível em: https://www.mayoclinic.org/diseases-conditions/rotator-cuff-injury/symptoms-causes/syc-20350225
- Harvard Medical School – Harvard Health Publishing. The painful shoulder: Part 1. Clinical evaluation.





