À medida que a competitividade no esporte juvenil aumenta, a busca por uma vantagem de performance começa cada vez mais cedo. Nesse cenário, a creatina, o suplemento com a mais sólida comprovação científica para o aumento de força em adultos, inevitavelmente entra no radar de jovens atletas, pais e treinadores. A pergunta que surge é carregada de esperança e, ao mesmo tempo, de apreensão: uma criança ou adolescente pode tomar creatina?
A resposta não é um simples “sim” ou “não”. É um complexo “depende”, envolto em considerações éticas, fisiológicas e, crucialmente, na análise do que a ciência realmente sabe — e do que ela ainda não sabe — sobre os efeitos da suplementação em um corpo em pleno desenvolvimento.
Enquanto a creatina demonstrou ser notavelmente segura para adultos, sua aplicação em populações pediátricas é um território muito mais nebuloso. Este guia definitivo irá mergulhar fundo na literatura científica para desvendar a verdade sobre o uso de creatina por jovens. Vamos explorar os estudos existentes, desbancar os mitos perigosos, apresentar o posicionamento oficial das maiores sociedades de pediatria e medicina esportiva do mundo e, finalmente, fornecer um manual de decisão para pais e treinadores.
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A Ciência da Energia em um Corpo em Crescimento
A creatina é uma substância natural, produzida pelo nosso corpo e obtida através da dieta (principalmente de carne e peixe). Sua função é fundamental para a bioenergética, atuando como uma bateria de recarga rápida para o ATP, a energia de movimentos explosivos. Em teoria, os jovens atletas, cujos esportes frequentemente envolvem sprints, saltos e mudanças de direção, poderiam se beneficiar enormemente de estoques de creatina otimizados.
A Evidência em Jovens Atletas:
A pesquisa sobre a creatina em adolescentes (geralmente definida como <19 anos) não é tão vasta quanto em adultos, mas ela existe.
- Eficácia: Os estudos disponíveis, em sua maioria, mostram que a suplementação com creatina em jovens atletas (nadadores, jogadores de futebol, etc.) aumenta a performance de alta intensidade de forma semelhante à observada em adultos.
- Segurança a Curto Prazo: A maioria dos estudos de curto prazo (algumas semanas a meses) não encontrou efeitos adversos significativos na função renal ou em outros marcadores de saúde em adolescentes saudáveis que usaram as doses recomendadas.
As Grandes Lacunas e Preocupações:
O problema não está no que os estudos mostram, mas no que eles não mostram.
- Falta de Dados a Longo Prazo: Quase não existem estudos que tenham acompanhado jovens atletas suplementando com creatina por vários anos. Não sabemos os efeitos potenciais da suplementação crônica durante a puberdade e o desenvolvimento de órgãos.
- Impacto no Crescimento e Desenvolvimento: O corpo de uma criança e de um adolescente está em um estado de fluxo constante, com o desenvolvimento dos sistemas renal, hepático e endócrino. A pergunta que a ciência ainda não respondeu definitivamente é: a sobrecarga de um suplemento exógeno, mesmo que “natural”, pode interferir nesses processos de maturação?
- Risco de Contaminação e Uso Inadequado: O mercado de suplementos é, em grande parte, não regulamentado. Existe um risco real de que produtos de creatina possam estar contaminados com substâncias proibidas ou nocivas. Além disso, há a preocupação de que o uso de creatina possa ser uma “porta de entrada” para o uso de outros suplementos mais perigosos ou esteroides anabolizantes.
"O principal argumento contra o uso generalizado de creatina em adolescentes não é que ela seja comprovadamente perigosa, mas sim que sua segurança a longo prazo não foi comprovadamente estabelecida nesta população", explica um editorial da American Academy of Pediatrics (AAP). "Em medicina pediátrica, o princípio da precaução deve sempre prevalecer."
⚖️ Mitos vs. Fatos: Desmascarando as Crenças Sobre a Suplementação Jovem
| MITO | FATO |
| “Creatina vai atrapalhar o crescimento do meu filho.” | Falso. Não há nenhuma evidência científica ou mecanismo biológico plausível que sugira que a creatina interfere no crescimento ósseo ou na altura final de um indivíduo. |
| “Se é vendido na loja, é seguro para qualquer idade.” | Perigosamente falso. A regulamentação de suplementos é muito mais frouxa do que a de medicamentos. A disponibilidade de um produto não é garantia de sua segurança ou adequação para crianças e adolescentes. |
| “A creatina é um tipo de esteroide anabolizante.” | Completamente falso. A creatina é um composto de aminoácidos que atua no sistema de energia. Os esteroides anabolizantes são drogas sintéticas que imitam a testosterona. Eles têm mecanismos de ação, perfis de eficácia e, o mais importante, perfis de segurança completamente diferentes. |
| “Se meu filho não tomar creatina, ele estará em desvantagem competitiva.” | Falso. Para um jovem atleta, os fatores mais importantes para a performance são, de longe, o treinamento adequado, a nutrição balanceada, o sono de qualidade e a hidratação. A suplementação é, na melhor das hipóteses, a “cereja do bolo”. Focar nos fundamentos sempre trará mais resultados do que qualquer suplemento. |
O Veredito dos Especialistas: O que Dizem as Maiores Sociedades de Pediatria
O consenso entre as principais organizações de saúde pediátrica e medicina esportiva é cauteloso.
A American Academy of Pediatrics (AAP) e o American College of Sports Medicine (ACSM) publicaram diretrizes e pareceres sobre o uso de suplementos para performance em jovens. A posição geral é:
"A suplementação com creatina em atletas com menos de 18 anos deve ser desencorajada. Embora possa haver benefícios de performance, os riscos potenciais a longo prazo não são conhecidos. A ênfase deve ser colocada em uma dieta nutritiva e em um treinamento adequado."
A International Society of Sports Nutrition (ISSN), embora seja uma das maiores defensoras da segurança da creatina em adultos, adota um tom mais matizado para os jovens:
"A suplementação com creatina em jovens atletas pode ser uma alternativa segura a drogas perigosas como os esteroides anabolizantes. No entanto, recomendamos que a suplementação seja considerada apenas para jovens atletas que:
- Estejam envolvidos em um treinamento sério e competitivo, sob supervisão.
- Estejam consumindo uma dieta balanceada e otimizada para a performance.
- Estejam bem informados sobre os efeitos da creatina.
- Não excedam as doses recomendadas e tenham a aprovação de seus pais e de um médico.“
O ponto crucial do posicionamento da ISSN é que a suplementação, se ocorrer, deve ser a última peça de um quebra-cabeça já bem montado, e não a primeira.
"A pergunta que os pais devem fazer não é 'A creatina é segura?'. A pergunta é 'Meu filho precisa de creatina?'", argumenta o Dr. Jordan Metzl, médico especialista em medicina esportiva do Hospital for Special Surgery, em Nova York. "Para 99.9% dos jovens atletas, a resposta é não. Eles precisam de mais sono, melhor hidratação e de comer comida de verdade."
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O Manual da Decisão Responsável: Um Guia para Pais e Treinadores
Se o uso de creatina está sendo considerado para um jovem atleta, é imperativo seguir um processo de decisão rigoroso e responsável.
O Checklist de 5 Pontos Antes de Considerar a Creatina:
- O Atleta é Maturo o Suficiente? A suplementação só deve ser considerada para atletas que já passaram pela puberdade e que demonstram maturidade para entender a importância da dosagem correta e da consistência. Nunca para crianças pré-púberes.
- Os Fundamentos Estão 100% no Lugar?
- Nutrição: O atleta está consumindo uma dieta rica em alimentos integrais, com calorias, proteínas e carboidratos suficientes para suportar seu treinamento?
- Sono: O atleta está dormindo de 8 a 10 horas por noite, de forma consistente?
- Treinamento: O programa de treino é bem estruturado, supervisionado por um profissional qualificado e focado na técnica?
- Hidratação: O atleta está adequadamente hidratado ao longo do dia?
- Se a resposta para qualquer uma dessas perguntas for “não”, o foco deve ser em consertar isso, não em adicionar um suplemento.
- Houve uma Conversa com um Médico?
- Uma consulta com um pediatra ou um médico do esporte é não negociável. O médico pode avaliar a saúde geral do jovem, especialmente a função renal, e discutir os prós e contras da suplementação no contexto individual do atleta.
- O Objetivo é Realista?
- A creatina não é uma pílula mágica. Ela oferece uma melhora de performance marginal (mas significativa no alto rendimento). As expectativas devem ser realistas.
- O Produto é de Alta Qualidade?
- Se a decisão de suplementar for tomada, escolha uma creatina monohidratada de uma marca respeitável que tenha certificações de terceiros (como NSF Certified for Sport ou Informed-Sport), que garantem que o produto é livre de contaminantes e substâncias proibidas.
Conclusão
Criança pode tomar creatina? A posição da ciência e da medicina pediátrica pende fortemente para a cautela. A regra geral é não. Para a esmagadora maioria dos jovens, os riscos desconhecidos a longo prazo e o potencial para uma mentalidade de “solução rápida” superam em muito os benefícios de performance.
Em cenários muito específicos, para atletas adolescentes de elite, pós-púberes, com todos os fundamentos de treino e nutrição perfeitamente alinhados e sob a estrita supervisão de uma equipe multidisciplinar (médico, nutricionista, treinador), o uso pode ser considerado. Mas essa é a exceção, não a regra.
Para os pais e treinadores, a mensagem é clara: o maior “suplemento” que você pode oferecer a um jovem atleta é o conhecimento. Ensine-os sobre a importância do sono, da hidratação e da comida de verdade. Construa uma base de hábitos saudáveis que os servirá por toda a vida. Essa é a verdadeira vantagem competitiva.
Qual é a sua opinião sobre o uso de suplementos por jovens atletas? Compartilhe seus pensamentos nos comentários!
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Perguntas Frequentes (FAQs) sobre Creatina em Crianças e Adolescentes
A partir de que idade a creatina é considerada segura?
A maioria das sociedades médicas e pediátricas define a população de estudo como “adultos com 18 anos ou mais”. Portanto, 18 anos é geralmente considerado o ponto de corte para o início da suplementação sem a necessidade de uma justificativa clínica específica. O uso abaixo dessa idade deve ser uma decisão médica individualizada.
A creatina pode afetar os rins de um adolescente?
Em adolescentes saudáveis, os estudos de curto prazo não mostraram nenhum efeito negativo na função renal. A preocupação reside na falta de dados a longo prazo e no fato de que os rins de uma criança ainda estão em desenvolvimento. O risco é teórico, mas o princípio da precaução dita que ele deve ser evitado.
E os benefícios cognitivos da creatina, não seriam úteis para estudantes?
A pesquisa sobre os benefícios cognitivos da creatina é promissora, especialmente em situações de estresse mental, como a privação de sono. No entanto, a aplicação em adolescentes saudáveis para o desempenho acadêmico ainda não foi estudada a fundo. Novamente, a falta de dados de segurança a longo prazo faz com que o sono de qualidade e uma boa nutrição sejam estratégias muito mais seguras e eficazes.
Qual a dose de creatina, se for indicada para um adolescente?
Se um médico aprovar o uso, a dose seria a mesma recomendada para adultos, ajustada pelo peso: cerca de **0.03 a 0.1 gramas por quilo de peso corporal por dia**. Para a maioria dos adolescentes, a dose padrão de **3 gramas por dia** seria segura e eficaz. A fase de saturação é geralmente desaconselhada.
O que dizer ao meu filho adolescente que insiste em tomar creatina porque “todos os amigos tomam”?
Esta é uma oportunidade para uma conversa educativa. Valide o desejo dele de melhorar a performance, mas explique que os verdadeiros pilares são o treino, a dieta e o sono. Mostre a ele as recomendações das sociedades de pediatria. Proponha um acordo: focar 100% nos fundamentos por 6 meses e, se depois disso, ele ainda quiser, vocês podem discutir o assunto com um médico do esporte.
Existem usos terapêuticos da creatina em crianças?
Sim. A creatina é usada clinicamente para tratar certas doenças metabólicas raras em crianças (como a deficiência de AGAT ou GAMT), onde o corpo não consegue produzir creatina. Também está sendo estudada para uma variedade de condições neuromusculares, como a distrofia muscular. Esses são usos médicos, não para performance.
O whey protein é seguro para adolescentes?
O whey protein é geralmente considerado seguro, pois é um suplemento alimentar derivado do leite. É essencialmente “comida em pó”. No entanto, ele deve ser usado para **suplementar** uma dieta já saudável, não para substituí-la, e para ajudar a atingir as metas de proteína, que são mais altas em jovens atletas. A prioridade sempre deve ser a comida de verdade.
Referências
- KREIDER, R. B.; et al. International Society of Sports Nutrition position stand: safety and efficacy of creatine supplementation in exercise, sport, and medicine. Journal of the International Society of Sports Nutrition, v. 14, n. 1, 18, jun. 2017. Disponível em: https://jissn.biomedcentral.com/articles/11.1186/s12970-017-0173-z
- American Academy of Pediatrics (AAP), Council on Sports Medicine and Fitness. Sports Drinks and Energy Drinks for Children and Adolescents: Are They Appropriate?. Pediatrics, v. 127, n. 6, p. 1182-1189, jun. 2011.
- JAGIM, A. R.; et al. Safety of creatine supplementation in active adolescents and youth: A brief review. Frontiers in Nutrition, v. 5, 115, dez. 2018.
- American College of Sports Medicine (ACSM). ACSM’s Health & Fitness Journal: Youth Strength Training: Facts and Fallacies.
- Harvard T.H. Chan School of Public Health. The Nutrition Source: Creatine. Disponível em: https://www.hsph.harvard.edu/nutritionsource/creatine/
- World Health Organization (WHO). Adolescent health. 14 de dezembro de 2022. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/adolescents-health-risks-and-solutions





